Dear Kobe, as lendas são para sempre

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“Não! Não pode ser, isso é inacreditável”. E foi assim que o status de momento mais triste do esporte, foi atualizado para mim. A notícia de que Kobe Bryant morreu num acidente de helicóptero, me deixou sem chão. Uma dor insuportável, difícil de explicar.

Conversei com a Dona Onça, conversei com amigos, mas a dor é inexplicável. Fiquei sem jeito, chorei em mensagens. Então hoje pela manhã, um grande amigo me manda mais histórias de Kobe. Disse a ele que ainda não acreditava e que choro ao ver.

“Don’t tell people how to mourn”

Jordan e Kobe, lado a lado. Até parado eles tinham a mesma postura.
Fonte: sportsmockery.com

Eis que vem a frase e o começo desse texto. “Don’t tell people how to mourn” (não diga as pessoas como ficarem de luto, numa tradução minha mesmo) e continuou, “cada um lida de um jeito… é bom botar pra fora”. É isso, sem vergonha alguma, externalizei todo o meu sentimento. 

Chorei… Muito… De diversas formas… Em diversos momentos. Dizem que quando estamos próximo do nosso fim, ou então sentimos o fim, passa um filme inteiro em nossa cabeça. Pois bem, ainda está passando um filme na minha. Mas não pelo meu fim, por Kobe Bryant.

Um filme em câmera lenta, e ao mesmo tempo muito rápido, cheio de neblina. Exatamente como ele descreveu a sua última entrada, numa quadra da NBA. Eu ainda não entendo e não consigo aceitar o que aconteceu. É brutal.

A tese não é minha, mas abracei ela: considerando as variáveis idade, tragédia e alcance global, é a morte mais impactante desde a Princesa Diana. Conseguem perceber isso? Se você ainda não morreu por dentro, pode imaginar essa dor. Não tinha quem não falasse disso ontem.

Domingo sem clima

Kobe e sua filha Gianna, a Gigi que era treinada pelo pai, junto de outras meninas.
Fonte: SLAM Magazine

Então, momentos depois de conseguir uma leve pausa no soluço, o choro voltou com tudo. Dessa vez, não só pelo meu ídolo, mas também por sua filha, Gianna, que estava junto no helicóptero. Uma promessa, uma vida interrompida precocemente, trágica. 

Apenas 13 anos, pegando um helicóptero junto ao pai, para jogar por seu time do colégio. Muito duro e o domingo já não existia mais para mim. Pra que Pro Bowl? Pra que rodada de domingo da NBA? O clima de festa, de alegria, que pregamos através do tailgate zone, já não existia mais. 

E para gravar o podcast? Como conseguiria gravar um podcast? Se nem Ari Aguiar parecia bem na transmissão do Pro Bowl, quem era eu para tentar iniciar um “programa de rádio” após os últimos acontecimentos? Aqui agradeço a Onça e a sua fala: “Pense que ele cumpriu o papel dele”.

“O Jordan de quem não viu Jordan”

“Kobe foi o Jordan de quem não viu Jordan”, a frase de André Kfouri é certeira. Kobe é o meu Jordan, Kobe é a personificação do esporte americana para mim. Antes ainda de Peyton Manning, Kobe Bryant foi o responsável por me colocar nesse mundo maluco dos esportes americanos.

Nossa relação é até difícil de explicar. Seus lances eram plásticos, assim como Michael Jordan, ele fez arte na quadra. Seus arremessos de meia distância, absurdamente semelhantes ao de Jordan (mas, talvez, Kobe até tenha sido melhor arremessador que Jordan, polêmica). As enterradas plásticas, até com a língua pra fora, justamente iguais ao que fazia Jordan.

Eu te odiei muito, ele quebrou meu time algumas vezes. Deixou Reggie, Rose, Smits, Jackson sem um anel de campeão. Mas nesse ódio todo, como eu amava aquele cara. Crescia dentro de mim, um ídolo, sem eu mesmo perceber. 

Eram tantas histórias, de um cara arrogante, fominha e com uma personalidade difícil. No entanto, eu via apenas o Black Mamba. Uma figura que me fazia crescer, lutar, querer ser mais. Esse alter ego que ele criou, virou uma marca registrada. 

Campeão, dentro e fora da quadra

Kobe Bryant participa de clínica para jovens na China — Foto: Getty Images
Kobe Bryant na China, em uma de suas reuniões com jovens atletas.
Fonte: Getty Images

Não era o “ir até as últimas consequências” para vencer, mas era o “vamos doar até a última gota de sangue” para vencer. Quem é que não lembra daquele lance livre logo após romper o tendão de aquiles? Um ensinamento através do esporte.

O ídolo crescia em mim sem eu perceber. E crescia, talvez, no momento em que mais precisei de um ídolo. Um atleta surreal, que no começo da mudança da NBA dos “3 pontos”, ainda foi old school. Mais que isso, foi relevante e peça chave em títulos do Lakers. Quarto maior pontuador da história, cinco vezes campeão da NBA, duas vezes MVP das finais.

O símbolo da era em que a NBA dominou o mundo. Eu posso ficar falando de seus feitos por vários parágrafos, mas isso seria repetitivo. Seria colocar números no momento em que eles não cabem. Até porque, ele foi muito mais que só um jogador.

Academias para jovens jogadores que querem ser profissionais. Treinador de um time de garotas. Programas para combater a obesidade de jovens. Campanhas para promover o esporte e vários investimentos em empresas de tecnologia. Inclusive, estava tocando um projeto social com um empresário brasileiro.

Uma lenda

Kobe já me fez chorar de alegria, de tristeza, de raiva, de “adeus” e agora de saudade. Sean Grande, a voz do Celtics na rádio resumiu o que nós, torcedores “rivais” sentimos nessa tarde. “Como um torcedor celta, nós não pensamos que Kobe Bryant poderia partir nossos corações mais uma vez. Estávamos errados”. 

Kobe vai e nos deixa com os corações partidos, não mais pelas derrotas e pelas pontuações monstruosas contra nossos times. Mas sim, por ter nos deixado muito cedo e órfãos de um ícone do esporte e, porque não, da cultura pop.

Mesmo assim, deixa um legado, uma história. Um ídolo que quebra barreiras de times (do clubismo, fanatismo), um cara que (usando sua fala no Oscar), supostamente deveria calar a boca e driblar, mas fez muito mais que isso. Vá em paz Kobe, ou melhor, rest in power, Black Mamba. Aos que ficam, muita força e paz também.

Por fim, se ao se aposentar, o desejo de Kobe era escrever histórias e contar histórias, ele pode ficar tranquilo. Não só por “Dear Basketball”, que já ficará eternizado pelo Oscar, mas também por sua história. Essa história que ele construiu por toda a sua vida dentro e fora das quadras.

Uma história que possui algumas vírgulas, e até outras reticências, mas que tem muito mais exclamações. E apesar de todo o sofrimento que ainda existe dentro de mim, se algo conforta meu coração, é que Kobe continuará vivendo entre nós. Afinal, as lendas não morrem.

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