História da MLB: Buck O’Neil

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Esse texto faz parte de uma série em que estamos contando a história das Negro Leagues, que neste ano completam 100 anos. Para conhecer um pouco mais sobre elas, acesse aqui.

John “Buck” O’Neil: uma estrela e um contador de histórias. Se há reconhecimento aos jogadores das Negro Leagues muito se deve ao seu carisma. Foi Buck O’Neil o responsável por trazer à tona as histórias de Satchel Paige, Josh Gibson e tantas outras relevantes figuras que poderiam ter sido esquecidas por conta da cor de sua pele.

O próprio Buck O’Neil disse,

“Às vezes, acho que Deus me manteve nesta terra por tanto tempo para que eu pudesse dar testemunho às Negro Leagues“.

Mas se O’Neil foi um espetacular contador de histórias, a sua própria não é menos fantástica.

Neto da escravidão

Neto da escravidão, Buck O’Neil não poderia chegar ao High School no Sul segregado. Mas logo aos 12 anos, O’Neil percebe que deveria haver algo além do que os campos de colheita. Seu pai lhe dissera que o mundo tinha muito a oferecer. Mas que era preciso querer. Todavia, a vontade nem sempre é o suficiente. Buck O’Neil viveu muitos obstáculos.

As Leis de Jim Crow e todas as formas de alheamento social que elas traziam eram alguns deles. Mesmo assim, e apesar de todo o preconceito sofrido, Buck O’Neil nunca deixou de demonstrar seu amor pelo “Passatempo da América”. Sua vida quase centenária lhe permitiu experimentar mudanças drásticas no baseball e na própria sociedade estadunidense, embora essas mudanças tenham chegado apenas quando a carreira de Buck O’Neil já vivia seu ocaso.

Todavia, com uma postura sempre altiva e plenamente consciente de seu papel John Buck O’Neil sentenciava,

“Não derramem lágrimas por mim. Não cheguei cedo o suficiente. Eu estava lá no momento certo”.

Buck O’Neil tornou-se celebridade com o poder da televisão. Por décadas contando suas histórias, foi só no anos 1980 que elas tocaram os corações e mentes das massas. Foi então que as gerações que nunca haviam tido contato com a realidade do baseball e dos jogadores negros do início do século XX puderam conhecer essa rica história.

Flórida como palco

Foi na Flórida, na cidade de Carrabelle, em 13 de novembro de 1919, que John Jordan O’Neil Jr veio ao mundo. Sua família é descendente dos Mandigas, tribo do oeste da África. O avô de Buck O’Neil, Julius O’Neil, nasceu às margens do rio Níger, foi escravizado e trazido à América.

A família de Buck O’Neil se muda para Sarasota em 1920. Seu pai, John Sr., jogava baseball em um time local de Springdale. Mas se em casa O’Neil tinha inspiração para o esporte, foi Sarasota sua maior influência. A cidade era a casa de Spring Training do New York Giants (atual SF Giants). Os facilities de Philadelphia Athletics (hoje, Oakland A’s) e New York Yankees estavam por perto. O jovem Buck O’Neil conheceu lendas como Babe Ruth e o arremessador Lefty Grove.

Em 1926, ao terminar o ensino fundamental, Buck O’Neil soube por sua avó que a escola de ensino médio de Sarasota não aceitaria meninos negros. Foi então que O’Neil chegou à Edwards Waters College, com uma bolsa de estudos, uma escola para negros, em Jacksonville. Aí ele fez o high school e mais dois anos de college até chegar definitivamente ao baseball.

No baseball

Os primeiros passos de Buck O’Neil no baseball foram dados na equipe semiprofissional do Tampa Black Smokers, em 1933. Já em 1934 ele assina com o Miami Giants, um time não-oficial de minor league das Negro Leagues. Mas a estreia profissional só se daria em 1937, já aos 26 anos de idade.

O'Neil com a camisa dos Monarchs.
Com a camisa do Kansas City Monarchs.
Fonte: Pinterest

Depois de passar por New York Tigers e Shreverport Acme Giants, Buck O’Neil assina com um time recém integrado às Negro Leagues, o Memphis Red Sox. Ainda que, como era comum aos jogadores das Ligas Negras, O’Neil tenha jogado em vários times em sua carreira, a grande história de seus anos de baseball foi contada no Kansas City Monarchs.

Buck O’Neil se juntou aos Monarchs em 1938 e ficou lá até 1943, alternando entre a 1B e o OF. Entretanto, a II Guerra Mundial interrompeu a série de vitórias consecutivas do time na Negro American League (1939-1942). Antes de servir nas forças que lutaram na Europa, Buck O’Neil ajudou Kansas City (KC) a varrer o Homestead Grays na Negro League World Series (NLWS) de 1942 sustentando uma média de .353 no bastão.

O’Neil serviria à marinha americana junto com outros companheiros de Monarchs. Mas em 1946, John Buck O’Neil retomaria a posição de primeira base no KC e contribuiria para mais um título de Negro American League. Mantendo a regularidade no bastão (.353), Buck O’Neil teria levado outra NLWS não tivesse Leon Day, do Newark Eagles, roubado uma rebatida tripla de O’Neil e salvado a partida.

Como manager e alguns números

A partir de 1948 Buck O’Neil deixa a função de primeira base dos Monarchs e passa a liderar o time do banco, como manager. Ele vai exercer essa função até 1955. O’Neil foi ótimo em campo e um grande técnico. O Kansas City Monarchs sob sua gestão levaria os títulos divisionais e de liga em 1948, 1949 e 1950. Além disso, Buck O’Neil foi o manager do time do Oeste no All-star (East-West) por 5 anos, assegurando quatro títulos (1951-1954).

O’Neil teve médias de .288 durante a carreira. Mas em quatro temporadas ele rebateu acima dos .300. Em 1945 ele foi o líder da Negro League com .335. Repetiu o feito em 1947 com sua melhor marca: .358. Buck O’Neil jogou duas NLWS. Além disso, se juntou a Satchel Paige, quando ambos viviam o auge da carreira, em vários jogos-exibição. O’Neil seria scout do Chicago Cubs e responsável por cuidar de ninguém menos do que Ernie Banks.

Hall da Fama e morte

O racismo havia afastado Buck O’Neil da MLB. Entretanto, sua entrada tardia, em 2022, no Hall da Fama é uma justa correção histórica a essa grande figura do baseball.

A Lenda Buck O'Neil
A Lenda.
Fonte: Bleed Cubbie Blue

O’Neil poderia ter sido o mais velho indicado ao HoF em fevereiro de 2006. Mas isso não aconteceu. O Comitê Especial da Negro League contemplou 17 notáveis jogadores das Ligas Negras. Mas se “esqueceu” do mais representativo deles. Aquele que fez com que toda uma geração pudesse conhecer dos incríveis feitos das estrelas impedidas pelo racismo. Mas não somente por isso, ele foi um enorme jogador.

Ele morreria pouco menos de 8 meses depois de tamanha injustiça, em 6 de outubro de 2006, aos 94 anos. Sobre como viver mesmo sob a mais acerba dificuldade Buck O’Neil deixou uma grande lição,

“As pessoas me perguntam: como não ser amargo? Cara, a amargura te devora por dentro. O ódio o devorará por dentro. Não seja amargo. Não odeie. Meu avô era escravo. Ele nunca foi amargo. Eu aprendi isso com ele. E sabe de uma coisa? Eu não trocaria minha vida por nada. Tive muitas bênçãos. Não quero que as pessoas fiquem tristes por mim quando eu for. Fique triste pelas crianças que morrem jovens. Você não deveria se sentir triste por um homem que viveu seu sonho. Sabe o que eu sempre digo? Eu estive sempre no momento certo.”

John Jordan “Buck” O’Neil Jr, uma salva de palmas, senhoras e senhores!

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