Megafone #1: uma história de racismo entre tempos

Tempo de leitura: 4 minutos

Alexandre Campos, a voz de hoje. Falando um pouco sobre racismo.

Alexandre Campos

Servidor público, cientista de dados, poeta, programador, torcedor do Utah Jazz, viciado em Clarice Lispector e tentando entender meu papel nesse mundo desde 1980, mas ainda sem sucesso.


9 minutos de racismo. Esse foi o tempo em que o policial ficou com joelho em cima do pescoço de Floyd. E me pergunto o que será que passou de vida nesse tempo pelas lembranças de Floyd? Que além de pedir para respirar e não morrer gritou “mamãe”.

E penso em minha mãe, uma mulher não negra e viúva que criou minha irmã e eu às margens do racismo e com uma boa dose de respeito e religião. Pois assim como Floyd, sou cristão e sobrevivi à infância sem muitos ídolos negros, sem muitos amigos negros. Mas amando o basquete por conta de Karl Malone e Michael Jordan.

E pensando em basquete e NBA acho que nem o meu sonho, de ser o primeiro brasileiro a entrar na liga e nem o de Floyd se concretizaram. Mas sinto que em relação ao sentimento de racismo na infância temos mais em comum do que gostaria.

Racismo: uma pergunta

Enquanto assistia ao noticiário perguntei à minha filha, Maria Ana, se na brevidade dos 11 anos dela, ela havia sofrido racismo e a resposta foi não. Entretanto, da minha parte ouvi tanto “macaco” nos primeiros anos de vida que demorei um tempo para desassociar o bicho da ofensa. Mas aprendi desde muito cedo a orar e perdoar.

E novamente me pergunto: será que o Floyd orou enquanto sufocava? Ou deu tempo de se reconectar ao Cristo perdoador? Maria Ana diz que tudo pode ser só uma ilusão da mente e que a vida não é real! Quanto a mim longe da infância, do passado, tenho uma dificuldade de repassar aqueles nove minutos e perdoar o homem branco de joelho sobre mim. Ainda assim não importa o quanto não respire, respirar ainda é meu castigo e para Floyd, não mais.

Protestos

Ainda diante da tela, vejo que as ondas de protestos antirracistas explodiram pelo mundo, tão rápido que ainda estou no mesmo lugar 9 minutos depois. E sabidamente experimentando meu ciclo de vida, ainda sinto o véu do racismo pairar sobre nossa caminhada, como uma nuvem cinza de olhares, silêncio, surpresa e subestimação.

Porém depois de tanto tempo o velado não incomoda tanto, pois a rotina entorpece a alma, mas a cada grito de justiça no noticiário e cada voz dizendo que: “se não há justiça não haverá paz”, me dou conta que a dor nunca foi embora nem da alma, nem do mundo. E minha aparente tranquilidade indiferente lista cada ocorrido em flashes na mente e me dou conta que nunca esqueci.

Mas hoje temo muito por minha família, a dor delas, o sentir delas e a causa para com elas. E me assusta pensar o quão grave e explosivo é a situação do racismo nacionalmente. E conceber isso rompe em mim um sentimento de justiça, mas repleto de incerteza se realmente as coisas vão mudar.

Ao som de bombas ao fundo, no ao vivo da Globonews, manifestantes enfrentam a polícia em choque. E Maria Ana ouve trap, pop, k-pop nas plataformas de streaming  da web, distribuindo seus ícones entre as etnias da globalização.

Lugar de fala

Bem como, ainda que de forma lenta, eu tento trocar de tela e ler nos caracteres contados do twitter o que as militâncias negras têm posicionado. Seu lugar de fala que, às vezes, parecem tão distante da minha realidade, que me sinto abrigado no “black twitter” protegido pelos meus, mas que ao mesmo tempo produzem um combalido discurso giratório atingindo aliados e inimigos que de comum só tem a cor de pele.

E quando a tela do celular fecha, e me sobra o chão da vida que carrego no meu microcosmo, o calor das mãos pretas não estão lá para me puxar da nuvem cinza, e sobrevivo da mesma forma que cheguei até aqui, em busca de aliados, seletando os amigos e reduzindo círculo só para mitigar os danos.

Futuro

No vórtex da pandemia, o silêncio da vida parece mais latente. Há tempos não vemos amigos e familiares. E mesmo com o celular desligado, os protestos caminham pela minha alma a passos de revolta e consternação. Saio do sofá e observo minha filha jogar online com os amigos, enquanto Vanessa ouve seus programas na plataforma do youtube. E a mim, resta produzir pensamentos de futuro, para além da mudança de atitude, ansiando a mudança de ciclo de geração.

Acho que minha geração carregou viva  as páginas de livros velhos escritos a sangue, ódio e preconceito, tão incrustados, que poucos tiveram a paciência de se limpar das manchas deixadas.  Ainda assim minha esperança é que a nova geração se renove desse obscurantismo, e  renasça para conquistar mundos novos tão distantes, que nossa cozinha de mesquinharia se desfaça na epopeia do novo.

Novo olhar

Sejamos exploradores do novo olhar, do novo pensar e do novo querer.  Espero que em 30 anos os livros de histórias contêm os degradantes atos de violência como algo tão distante que nos olharemos como seres primitivos ainda não evoluídos.

A minha pequena Maria, espero a comum vida de alguém que não precise se reafirmar como mulher e negra a todo tempo, mas que seja a mulher negra que ela, em todos os espectros do mundo, desejar ser. E aos meus irmãos de pele preta, desejo a vida em todos os desacertos, e acertos que ela significa. E transborde em tantas cores, que eles só sejam a história, que eles quiserem contar.

Este post tem um comentário

  1. MICHELY MIGUELISTA CHAVES

    Sempre acertivo esse caro Alexandre. Me entalando com nó na garganta. Bravo!

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