Palavra de especialista: a cirurgia de Tommy John

Tempo de leitura: 6 minutos

A especialista de hoje: Nágela Freitas

Fisioterapeuta e Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Federal de São Paulo. Colaboradora do NFL de Bolsa (@nfldebolsa). Você pode encontrar minhas opiniões no twitter @nahfreitas42.


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Nos últimos anos cada vez mais tem se falado sobre a cirurgia de Tommy John (Tommy John Surgery), em especial, em jogadores profissionais de beisebol e principalmente em arremessadores. As últimas “vítimas” na MLB foram: Luis Severino (NYY), Noah Syndergaard (NYM) e Chris Sale (BOS).

Foram listados 1722 jogadores submetidos a uma cirurgia de Tommy John desde 2000 e especula-se que a quantidade de cirurgias aumentou nos últimos anos. Mas do que se trata especificamente essa cirurgia? Vamos entender um pouco mais sobre.

A cirurgia

Trata-se do procedimento cirúrgico de reconstrução do ligamento colateral ulnar, que passou a ser conhecida como cirurgia de Tommy John (TJ) por causa do jogador, Thomas Edward John Jr, que na época da lesão jogava pelo Los Angeles Dodgers, em 1974. Ele foi o primeiro jogador de beisebol a passar pelo procedimento cirúrgico, que voltou a jogar em alto nível. A cirurgia foi realizada pelo médico Frank Jobe, reconhecido como pioneiro neste procedimento.

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Tommy John na época tinha 31 anos, retornou aos campos após 19 meses e jogou em alto nível até 1989, quando encerrou sua carreira aos 46 anos no New York Yankees.

O ligamento colateral ulnar (LCU) ou Ulnar Collateral Ligament (UCL) está localizado na parte interna do cotovelo. Ele conecta o osso do braço (úmero) a um osso do antebraço (ulna).  É uma grossa faixa triangular localizada no cotovelo. Todas as três faixas servem para limitar o estresse na articulação.

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Muitos me perguntam o porquê de ser tão comum em arremessadores no beisebol. Na realidade, qualquer pessoa pode sofrer uma lesão no LCU por estresse repetitivo no cotovelo ou trauma. Mas imagine você arremessando bolas dezenas de milhares de vezes com força total repetida e consistentemente a velocidades de 90 mph ou mais… pois é.

Procedimento cirúrgico

Os arremessadores têm o risco muito maior e evidente, devido os movimentos de “torcer” e dobrar o cotovelo que exercem uma extrema pressão sobre o ligamento. Com o passar do tempo o LCU pode desenvolver pequenas lesões e chegar a tal ponto em que o ligamento já não suporta mais sustentar a força exercida nos arremessos rompendo-se totalmente, sendo assim necessária a realização do procedimento cirúrgico.

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Existem dois procedimentos para a cirurgia de Tommy John:

  1. Reparação: quando o ligamento se desprende do úmero, conhecida como avulsão. Simplificando, é como se o ligamento se “descolasse” de onde ele é inserido, no caso, do úmero (osso do braço). 
  2. Reconstrução: no caso de rompimento, o ligamento é substituído por um tendão (enxerto) do próprio paciente. Neste caso, normalmente se usa o tendão do palmar longo do antebraço (azul), mas também pode ser usado o tendão do músculo posterior da coxa ou do músculo extensor do hálux, ou seja, é retirado um pedaço do tendão que substitui o LCU.

Já quanto ao procedimento cirúrgico, é feita uma incisão de aproximadamente 8-10 cm na parte externa do cotovelo. Depois que músculos e outros tecidos são afastados, o cirurgião consegue avaliar o dano real. Todos os tecidos danificados são removidos, e em alguns casos o ligamento original é anexado ao novo enxerto a fim de reforçar a estrutura.

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Para fixar o novo “ligamento” feito com o tendão, são feitos orifícios nos dois ossos originalmente conectados pelo LCU: o osso do braço (úmero) e o osso do antebraço (ulna). Em seguida, o tendão do enxerto é preso por suturas ou parafusos. Existem várias técnicas para fixar o tendão através dos ossos e novas técnicas menos invasivas também estão sendo desenvolvidas pelos pesquisadores.

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A recuperação

Como a maioria das cirurgias, a reconstrução do LCU, pode ter alguns riscos e complicações, como infecção, danos nos nervos ou vasos sanguíneos, que podem causar dormência e/ou fraqueza temporária ou permanente além do risco de uma nova ruptura.

Com relação a recuperação, ela se divide basicamente em três fases e a duração de cada fase varia de cada paciente, dependendo do tempo de cicatrização dos tecidos. São elas:

  1. Após a cirurgia é utilizado um brace (um tipo de órtese) para sustentar o cotovelo em um ângulo de 60-90º mantendo a articulação imobilizada para a cicatrização do ligamento. Nessa fase, a fisioterapia se concentra nas outras articulações (punho, dedos, ombro) a fim de evitar atrofia muscular.
  2. Uma ou duas semanas após a cirurgia inicia-se o movimento do cotovelo. A fisioterapia nesta fase tem como foco aumentar a amplitude de movimento gradualmente.
  3. Após 1 mês, o paciente já é autorizado a esticar completamente o cotovelo e eventualmente parar de usar o brace.
Medlen, Beachy to focus on mechanics in TJ comebacks
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Com fisioterapia o paciente recupera a amplitude de movimento entre 2-4 meses. Porém, em se tratando de atleta de alto nível esse aspecto se altera um pouco. Na maioria dos casos um jogador pode retornar gradualmente aos arremessos entre seis e nove meses após a cirurgia TJ.

É importante continuar um programa intensivo de fortalecimento e alongamento durante e após o retorno à prática esportiva. Rotineiramente leva-se em média de nove meses a um ano (ou mais) para que um atleta retorne à competição.

A demora na recuperação é justamente por ser uma cirurgia ligamentar. O processo de cicatrização dos ligamentos leva mais tempo por ter pouca irrigação sanguínea (tecido branco), além de todo período de adaptação do corpo ao enxerto, que é interpretado com um “corpo estranho” no organismo.

Números da cirurgia

Trata-se de uma cirurgia que possui alto nível de sucesso. Estudo publicado no The American Journal of Sports, em 2014, com dados analisados do período entre 1999 e 2011, trouxe os seguintes resultados:

Também foi observada uma piora nos números depois de certo período após a cirurgia, como ERA e WHIP. No entanto, essa queda na performance não se deve somente à lesão, mas a queda natural com o avanço da idade.

É evidente que a cirurgia sempre é o último recurso e será considerada somente depois de todas as outras opções de tratamento conservador serem descartadas. Assim como a importância de uma adequação de mecânica corporal e treino de gesto esportivo, a fim de preservar ao máximo a saúde do cotovelo e do atleta.

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